Pelos idos de 1954 cheguei a esta cidade proveniente do interior do município na companhia dos meus pais. Minha mãe, professora municipal; meu pai, agricultor que perdera tudo com o cultivo do trigo. No início morávamos bem pertinho do centro (na frente do hoje Posto Janter). A mãe lecionava no Colégio Joaquim Nabuco, na Vila Rocha, local totalmente oposto da residência. Tal fato fez com que procurássemos uma casa que ficasse mais perto do Colégio da Jacy.
Assim foi feito. Com o decorrer dos anos chegamos à Vila Mariana. Ali, praticamente, fiz-me homem. Quase tudo era campo. Sem luz elétrica, sem água encanada, sem calçamento, sem esgoto, sem telefone, sem linha de ônibus, enfim, sem nada. Fomos das primeiras famílias que ali se instalaram pelos anos de 1955/1956.
Lembro que o 9º. RC era cercado de arame farpado e o bueiro sobre “a sanga” que atravessa a Avenida Francisco Hermenegildo da Silva era construído de madeira. Nesse ponto houve evolução, hoje é de cimento.
E a sanga? Está ali, soberana, desafiadora, altiva como a dizer: nenhum administrador desta santa terra ousa mexer comigo. Sou eterna como o tempo. E pelo que parece é mesmo.
É outro desafio para testar a capacidade e a criatividade de mais um prefeito municipal. Evidente que a sanga é patrimônio histórico da comunidade e não pertence ao atual prefeito. Ela foi e continua sendo preservada para a felicidade dos mosquitos que a infestam. Pode, até, ser patrocinadora de uma epidemia de dengue.
Penso, os administradores se sucedem e os problemas crônicos continuam. Não temos estradas, não temos saúde, não temos segurança, não temos escolas. E o povo? Pelo que se deduz do dia a dia não discute as coisas importantes. Embora alguns me rotulem dono da verdade ou como se pretendesse sê-lo, tal fato não acontece. Esta matéria me foi sugerida por outro observador.
Quem me chamou a atenção sobre a mimada e conservada “sanga” foi o fotógrafo Nacib Elias. Ilustraria a coluna com uma foto colorida. Esperei a mesma até as 14,20 horas do dia 11.05.1998 e como o Elias não apareceu, pois talvez tenha esquecido devido a sua avançada idade, fica o registro para que sejam tomadas as devidas providências. É preciso ressalvar que a sanga não surgiu na atual administração. O curioso é que ela desafia, por anos e anos, os administradores do município. E está vencendo, é óbvio, tal desafio. (Jornal Tribuna do Povo, 15.05.1998). Sem comentários.
A pessoa humana, independente de classe social, cor, credo religioso ou político, merece respeito e deve receber dos poderes constituídos as mínimas condições para viver dignamente com sua família.
Não tenho certeza se a sanga que passa no bueiro do canjica, Vila Rocha, é a mesma do Posto Centenário, mas uma certeza eu confesso: fede muito mais. É isso mesmo, fede. Quem habita nas margens daquela sanga há muito tempo deixou de ser humano. E o senhor e a senhora que vivem no mundo da televisão e não mais conhecem São Gabriel, por favor, cheguem até aquele local e constatem se tenho razão ou não. Peço encarecidamente que cheguem lá.
Aquelas pessoas sobrevivem respirando um ar contaminado pelos odores exalados daquela sanga, mas em contrapartida temos milhares e milhares de reais de tributos direcionados para a sustentação de uma Câmara Municipal composta hoje por 10 e num futuro próximo por 15 vereadores que vivem nababescamente sem nada de útil fazer pelo seu semelhante.
E depois o grito é geral contra a violência. Mas quem a produz?
É por isso que ninguém quer debater São Gabriel e seus problemas, pois uma minoria se sustenta dos reais que deveriam ser investidos em saneamento para melhorar a vida daqueles desassistidos da sorte e eternos abandonados pelos administradores. Até quando? Ninguém se envergonha dessa situação? O centro está bonito, mas e a periferia?
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
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