sexta-feira, 29 de junho de 2012
EDUCAÇÃO (J.F. Assis Brasil)
Será o Brasil um país educado? Creio que é, pelo menos, um país culto; na minha humilde opinião, é mesmo um dos mais cultos que conheço. Já tenho bastante cabelos brancos e bastante tarimba, a correr mundo e a encará-lo com olhos de observador, para ter perdido o chamado respeito humano que priva ordinariamente o homem de dizer o que sente, por temor de que o chamem maldizente ou adulador. Especialmente adulador – esforço-me por o não ser, nem à proximidade, nem à distância. O Brasil sai-se bem da prova que mais me agrada no julgamento de coisas e homens: o Brasil é melhor nas camadas profundas que nas superficiais, e isso é assim tanto em relação à terra, prenhe de tesouros, de pedras e metais, como em relação à gente portadora, em regra, das melhores jóias de generosidade e boas intenções. Outros países conheço eu, outros povos – exibindo mais lustre na superfície, porém, menos substância íntima. Se lhe procurais penetrar o interior, a decepção é certa. Deles poderia se dizer o que Bonaparte disse desses pobres russos, atualmente em tão dura prova no desempenho do papel que lhes coube na formidável tragédia de sangue e lama – que “em se raspando o russo, aparecia logo o cossaco”. Eu raspo o meu brasileiro e logo descubro uma derme mais fina que “a casca grossa” aparente.
Isto, para mim, é um fenômeno de educação. O Brasil é, realmente, um país educado. O gosto e a prática dos estudos científicos e, especialmente, dessas “humanidades”, que são o instrumento mais próprio para amaciar o homem, vêm de longe. É uma tradição colonial; veio da metrópole, da coincidência do descobrimento do país com o século da maior florescência intelectual portuguesa. Recordo que na minha mocidade se dizia não haver mineiro que não soubesse latim, embora toda gente estivesse longe de admitir o mineiro como o melhor tipo de elegância.
Tudo isso é educação, é capacidade para sentir e praticar a solidariedade nacional, e até a solidariedade humana. Em que peca a nossa educação? Na desigualdade. Está estabelecida de tal forma que temos só o extremo alto e o extremo baixo. Numa terra em que as condições históricas e naturais trabalham ativamente, incessantemente pela igualização, pelo quase nivelamento, tornando a democracia um fenômeno obrigado, vemos criar-se, talvez com a melhor das intenções, talvez sem nenhuma intenção, uma verdadeira aristocracia.
O Brasil tem uma aristocracia, que, como todas, é uma praga: a aristocracia dos doutores. Qual o modo de acabar com ela? Enforcar os doutores? Não. É fazer todo mundo doutor, ou melhor, simplificar o problema pela supressão desse R impertinente, que obriga a “dobrar a língua” no fim da palavra: é fazer com que todo o mundo seja apenas douto. Precisamos de gente que saiba, que tenha aptidão para a obra e não de gente enredada em títulos e pergaminhos.
Se eu tivesse qualquer partícula de autoridade no manejo dos interesses públicos, não trepidaria um segundo, faria tudo, deliberadamente, urgentemente, para levar a instrução pública, a educação (fórmula que prefiro por ser mais compreensiva), até aos seus limites máximos. Não tendo, nem podendo ter, essa autoridade efetiva e direta, aconselho, perdoai a petulância aparente do termo, aconselho aos detentores da autoridade – que considerem a educação uma questão inadiável, uma questão de vida ou de morte; que não se detenham ante o emprego de todos os meios financeiros, recursos ordinários ou crédito, que saquem sobre o futuro, sobre a fome e a sede, a fim de que se implante essa condição sem a qual não há nada – nem finanças, nem produção, nem mesmo bom governo, sejam quais forem as boas intenções dos que o exercem; porque o governo é sempre um fruto do ambiente em que opera, e há de exibir as boas e as más qualidades do povo onde nasce (o grifo é meu). (Excerto do discurso “Idéia de Pátria” 1918).
Percebe-se pelo escrito acima que nossa evolução é extremamente lenta, pois em 19l8, segundo o autor, o Brasil era um país educado. Evolução? Não. Especificamente no quesito educação se constata uma regressão extraordinária.
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