quarta-feira, 24 de setembro de 2014

ENTREVISTA COM ALMIR PAZZIANOTTO PINTO


 

 

            Última Instância – Passados 70 anos da instalação formal da Justiça do Trabalho por Getúlio Vargas, qual o saldo para o país? Essa escolha por uma justiça específica para as relações de trabalho foi benéfica ou trouxe problemas?

                Almir P. Pinto – Getúlio Vargas criou a Justiça do Trabalho, sob a Constituição de 1937, não como órgão do Poder Judiciário, como algo à parte. Não era órgão judicante, era um órgão destinado basicamente à conciliação, dentro do espírito do que viria a ser a CLT: um instrumento de composição. Vargas não pretendeu fazer da Justiça do Trabalho e da Consolidação das Leis do Trabalho um instrumento gerador de conflitos. Ele aspirava encontrar um terreno, através da lei, em que patrões e empregados superassem suas divergências via negociação, se necessário, com a participação de um órgão do Estado, a que ele deu, com certa impropriedade, o nome de Justiça do Trabalho. E a sua composição era paritária, o que não se vê nos órgãos do Poder Judiciário. Em 1946, após a queda do Vargas, vêm os constituintes e jogam a Justiça do Trabalho para o interior do Poder Judiciário, mas sem alterar a estrutura: ela veio com vogais, com os juízes classistas, o poder normativo nos dissídios coletivos e com o processo judiciário do trabalho. Tudo isso foi arremessado para dentro do Poder Judiciário sem as indispensáveis adaptações. O reflexo disso é que nós temos até hoje dois sistemas processuais. O processo trabalhista toma como fonte subsidiária o processo comum, mas o fato é que a existência dessas duas Justiças, uma federal para o Trabalho, e uma comum para os Estados, significou um encarecimento muito grande e desnecessário.

            U. I.Mas os resultados não foram benéficos para a população?

                Almir P. Pinto – Não estou certo disso. O que se registra é um crescente número de processos trabalhistas, o que definitivamente não é bom. Boa é legislação e bom é o sistema que, como pensou Vargas, contribui para prevenir o conflito. A lei não pode ser um estímulo ao conflito. Nem digo isso em função das despesas que eventualmente isso acarreta ao Erário Público. Digo isso porque, de fato, o conflito não é bom. O que se deve procurar é uma sociedade mais harmônica.

            U. I. – Por outro lado, há quem diga que esse aumento no número de processos é fruto do aumento do acesso à Justiça por uma população mais consciente dos seus direitos. Não é algo positivo?

                Almir P. Pinto – Não vejo que uma coisa tenha relação com a outra, porque o instrumento de manifestação do trabalhador a cerca dos seus direitos deveria ser o sindicato. Para que existem os sindicatos? Para levar tudo à Justiça do Trabalho na forma de processo? O sindicato existe para atuar no interior das empresas a fim de evitar, tanto quanto possível, a ação judicial que tem duração e resultado imprevisível. O melhor argumento contra a idéia de que essa sobrecarga de processos, essa litigiosidade intensa, é uma coisa boa para a cidadania é o fato de que o processo demora. O que a CLT almejou foi uma audiência de conciliação que resolveria o problema, não um processo que se arrasta por anos e anos. O atulhamento do Judiciário Trabalhista não é uma vaga idéia, é uma realidade que exige a todo momento um maior número de juízes, um maior número de tribunais, um maior número de prédios, um maior número de funcionários, sem se resolver o problema da morosidade.

            Na minha estante, há livros de processo do trabalho e livros de processo civil. Isto por si só é uma aberração porque os princípios processuais são os mesmos e os dois processos são muito parecidos. Enquanto todos procuram a simplificação, o direito do trabalho procura a complicação.O que Vargas e os criadores da CLT queriam era que se aplicasse o princípio da oralidade: sentavam-se as parte em frente ao juiz, o juiz examinava, ouvia e propunha um acordo. Hoje uma audiência leva, às vezes, um ano para ser marcada.

            Também não concordo quando se diz que há 40 anos atrás as pessoas não tinham a exata noção dos seus direitos. Não é verdade. As greves, desde a primeira em 1917, até aquelas ocorridas em períodos autoritários, são a maior prova de que havia essa consciência. A consciência dos direitos não se manifesta única e exclusivamente através do ajuizamento de um processo judicial, cujo resultado é imprevisível e não se sabe quando terminará. (continua na próxima edição).

            

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