Última Instância – Passados 70 anos da
instalação formal da Justiça do Trabalho por Getúlio Vargas, qual o saldo para
o país? Essa escolha por uma justiça específica para as relações de trabalho foi
benéfica ou trouxe problemas?
Almir
P. Pinto – Getúlio Vargas criou a
Justiça do Trabalho, sob a Constituição de 1937, não como órgão do Poder
Judiciário, como algo à parte. Não era órgão judicante, era um órgão destinado
basicamente à conciliação, dentro do espírito do que viria a ser a CLT: um
instrumento de composição. Vargas não pretendeu fazer da Justiça do Trabalho e
da Consolidação das Leis do Trabalho um instrumento gerador de conflitos. Ele
aspirava encontrar um terreno, através da lei, em que patrões e empregados
superassem suas divergências via negociação, se necessário, com a participação
de um órgão do Estado, a que ele deu, com certa impropriedade, o nome de
Justiça do Trabalho. E a sua composição era paritária, o que não se vê nos
órgãos do Poder Judiciário. Em 1946, após a queda do Vargas, vêm os
constituintes e jogam a Justiça do Trabalho para o interior do Poder
Judiciário, mas sem alterar a estrutura: ela veio com vogais, com os juízes
classistas, o poder normativo nos dissídios coletivos e com o processo
judiciário do trabalho. Tudo isso foi arremessado para dentro do Poder
Judiciário sem as indispensáveis adaptações. O reflexo disso é que nós temos
até hoje dois sistemas processuais. O processo trabalhista toma como fonte
subsidiária o processo comum, mas o fato é que a existência dessas duas
Justiças, uma federal para o Trabalho, e uma comum para os Estados, significou
um encarecimento muito grande e desnecessário.
U. I. – Mas os resultados não foram
benéficos para a população?
Almir
P. Pinto – Não estou certo disso. O
que se registra é um crescente número de processos trabalhistas, o que
definitivamente não é bom. Boa é legislação e bom é o sistema que, como pensou
Vargas, contribui para prevenir o conflito. A lei não pode ser um estímulo ao
conflito. Nem digo isso em função das despesas que eventualmente isso acarreta
ao Erário Público. Digo isso porque, de fato, o conflito não é bom. O que se
deve procurar é uma sociedade mais harmônica.
U. I. – Por outro lado, há quem diga que
esse aumento no número de processos é fruto do aumento do acesso à Justiça por
uma população mais consciente dos seus direitos. Não é algo positivo?
Almir
P. Pinto – Não vejo que uma coisa
tenha relação com a outra, porque o instrumento de manifestação do trabalhador
a cerca dos seus direitos deveria ser o sindicato. Para que existem os
sindicatos? Para levar tudo à Justiça do Trabalho na forma de processo? O
sindicato existe para atuar no interior das empresas a fim de evitar, tanto
quanto possível, a ação judicial que tem duração e resultado imprevisível. O
melhor argumento contra a idéia de que essa sobrecarga de processos, essa
litigiosidade intensa, é uma coisa boa para a cidadania é o fato de que o
processo demora. O que a CLT almejou foi uma audiência de conciliação que
resolveria o problema, não um processo que se arrasta por anos e anos. O
atulhamento do Judiciário Trabalhista não é uma vaga idéia, é uma realidade que
exige a todo momento um maior número de juízes, um maior número de tribunais,
um maior número de prédios, um maior número de funcionários, sem se resolver o
problema da morosidade.
Na minha estante, há livros de
processo do trabalho e livros de processo civil. Isto por si só é uma aberração
porque os princípios processuais são os mesmos e os dois processos são muito
parecidos. Enquanto todos procuram a simplificação, o direito do trabalho
procura a complicação.O que Vargas e os criadores da CLT queriam era que se
aplicasse o princípio da oralidade: sentavam-se as parte em frente ao juiz, o
juiz examinava, ouvia e propunha um acordo. Hoje uma audiência leva, às vezes,
um ano para ser marcada.
Também não concordo quando se diz
que há 40 anos atrás as pessoas não tinham a exata noção dos seus direitos. Não
é verdade. As greves, desde a primeira em 1917, até aquelas ocorridas em
períodos autoritários, são a maior prova de que havia essa consciência. A
consciência dos direitos não se manifesta única e exclusivamente através do
ajuizamento de um processo judicial, cujo resultado é imprevisível e não se
sabe quando terminará. (continua na
próxima edição).
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